Tarecos? Não,obrigado

grandma

Ai, aquele momento em que as mães nos incitam a ficar com um móvel antigo de família. O que é que nós vemos? Um bisonte de madeira velha, que não cabe nem combina. Como é que lhe dizemos que não queremos? Não podemos.

Já percebi que isto acontece naquele momento da vida dos pais em que eles voltam a ter desconto no Jardim Zoológico, e começa a cair a ficha do “já vivi mais do que vou viver”.  Parece que a efemeridade da vida trata de tornar todos os tarecos e bibelôs lá de casa em “memórias”. Não há cobertor sem herança, não há pires sem nostalgia. Desde o clip ao sommier, tudo tem história e ela é bem pesada de carregar.

Nova missão de vida: impingir tudo à descendência.

E, como é habitual na idade avançada, começam as contradições: os pais impingem-nos o recheio da casa deles mas ele deve ser tratado de forma completamente asséptica, por via de não estragar, derivado do “valor inestimável” aquando o momento tão marcante em que fófófó. Uma vez propus ao meu pai pintar um armário antigo de branco e juro que se lhe eriçaram os curtos pêlos da barba. Continuam eriçados, até hoje.

E as coleções meu Deus, as coleções?!! Selos, postais, moedas, caixotes, caixas e caixinhas, um mundo matrioskano interminável de TRALHA. (Ora aí está uma palavra que devemos evitar, para não ferir susceptibilidade parental, junto com “piroso”, “foleiro” ou “antiquado”). Mas daquilo depende “a herança da família”, diz-nos a mãe, com ar de quem vai escrever o novo Código da Vinci.

E depois há aquela estirpe de objectos cuja função não entendemos à primeira. Lá está, ignorância nossa –  não tem função. Podemos girá-los 180º em todas as direções da bússola e ele vai continuar sem função. E diz a mãe, já furiosa: “ filha, isso é para se ter”. Perdão? Ter, na gíria jovem, é sinónimo de ácaros a acasalar, pó que vamos ter de limpar e cotão que vamos ter de extrair (do nosso umbigo, inclusivé).

Pais, é com carinho que lembramos:

  • Nós, geração IKEA pague-pouco-mas-sue-do-bigode-você-mesmo, não queremos nada que não se possa montar em 4 passos. Somos adeptos do S – short, simple, stupid.
  • Não queremos faqueiros e baixelas, queremos talheres sem família e self-made louça, independente e multicolor.
  • Onde vocês vêem o espaço ideal na nossa sala, nós vemos a barbaridade que ocupa.
  • Onde vocês vêem pintura surrealista, nós vemos espilros de ranho colorido (e não, não queremos pendurá-los)
  • Não nos venham com histórias de que “Não é apenas um sofá castanho, era onde a avó namorava com o avô”. Somos nostalgia-proof, e já usaram essa história para o tapete

Não esperem incutir este sentimento de pertença em menos de nada: ele não é uma peça de IKEA que se monte em 4 passos.

Ainda assim, obrigada por nos trazerem ao mundo.

Atenciosamente,

Bumba na Fofinha

Dicionário
* “fófófó”(fó + fó + fó) S.M. O momento em que desligámos o botão da atenção e deixámos de ouvir, continuando a assentir com “sim sim” e “hum-hum”, mas sem ouvir um real boi

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2 Comentários Add yours

  1. Sara Seruya diz:

    ri a bom rir, não há melhor do que rir de nós próprios quando descaradamente troçam de nosotros, gerontes com valores!!!

  2. Isabel Orey Tinoco diz:

    Esta miúda é demais! cada vez que leio alguma coisa escrita por ela é só rir! Boa, Mariana, mesmo muito bem visto!

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