Se há coisa que me deixa desconfortável é o contacto físico indesejado. Sou profundamente alérgica àquelas pessoas que simulam falsa intimidade através de toque humano inusitado. Odeio palmadinhas nas costas ou festas no lombo como se fosse um Retriever.
Detesto ter de cumprimentar de beijinho as pessoas que vejo todos os dias. 5 dias por semana dá 20 beijos, que multiplicados por 12 meses soma 240 beijos. E a não ser que sejamos de Cascais ou utilizemos a palavra “demodé“, damos um em cada bochecha…. o que dá 480 beijos por ano. Como não somos mal-educados, damos 480 beijos à Sónia da Contabilidade, 480 beijos ao Roberto dos Recursos Humanos, mais 480 ao César da recepção. São mais beijos do que aqueles que REALMENTE queremos dar aos nossos namorados, maridos, amantes.
E depois há aqueles que não se contentam com o trivial encosto de cara e torcem o pescoço, qual “O Exorcista”, por forma a ter um ângulo perpendicular no encontro com a nossa bochecha. Não raras vezes esses beijos são onomatopaicos, acompanhados de “Mua Mua” verbal. No momento do chuac já perdemos a esperança de ter um beijo desprovido de intimidade – a mão já está no nosso ombro, pronta para uns quantos afagos – “Então, tudo bem?” – festas nas costas – “Desde ontem!” – belisca-me a nuca – “Bem-disposta?” – coceguinhas no lombo.
E eu só penso: LARGA-ME, sua ténia beijoqueira! Se fosse uma banda desenhada o meu balão ia rebentar com tantos caracteres #$&%/&#.
Há também aqueles que, para nosso desagrado, produzem mais saliva do que é desejável num ser humano. O destino desse excesso salivar é um de dois: ou o detentor se chama Lello e cospe-o para o chão, ou o detentor é civilizado e acumula dito excesso no canto das beiças.
Quando assim é, o que acontece nesse cantinho é, por um lado, um fenómeno digno de BBC Vida Selvagem e, por outro, o maior pesadelo do higienista comum: formam-se estalactites de saliva no lábio superior e estalagmites de saliva no lábio inferior, que se encontram no meio formando uma ponte elástica (mas resistente) que se move tipo acordeão quando a pessoa fala. E não, não nos conseguimos concentrar em mais nada, derivado do nojo subjacente. E sim, também temos de beijar essas pessoas. E não, não gosto. Can you blame me?
No sentido de evitar esta maçada ainda tento fintar os beijoqueiros com um “Olá geral”, acenando ao longe, proactiva no esquivanço ao toque. Mas sou encurralada por aquele gajo beijoqueiro que parece tirar o dia para invadir o meu espaço vital e, vindo do nada, já está materializado ao meu lado em posição de ataque, pronto para reclamar o seu cheek-to-cheek. Ainda tento fintá-lo com artes marciais ao estilo Matrix, mas ele leva sempre a sua a melhor, no mínimo 480 vezes por ano. Sofre, coração.
Acontece-me várias vezes questionar se o problema será meu. Questionei-me de tal forma que cheguei a experimentar uma aula de Abraçoterapia, a antítese do não-contacto com cheiros e texturas de estranhos. Com camisolas de pêlo suado posso eu bem, mas escusado será dizer que ao fim do quarto abraço a um homem que devia ser nomeado embaixador do Desmazelo de Axila, percebi que era um desafio que ultrapassa as raias da minha zona de desconforto.
Se calhar o problema é meu.
O problema é teu. Embrace affection!
Eu trabalhei num escritório no tempo em que ainda não se beijocava assim tão efusivamente…. tive sorte! Por outro lado, terei perdido momentos da tal Affection que talvez até tivessem sido affectionate…. já nunca poderei vir a saber.
Por outro lado, quanto aos apertos de mão, também não são evidentes. Ele há-os desde tão estupidamente fortes que nos marcam os dedos do lado dos anéis à entrega mole das quatro pontas dos dedos, polegar excluído, porque escondido.
Bem vistas as coisas 240 ou 480 beijos por ano é um número avassalador. Vou repensar o meu posicionamento.
Apertos de mão molinhos e gelatinosos – é outro clássico! Dá para um artigo inteiro. Brilliant, Tatei!! 🙂
Caro DM,
Eu não tenho problemas com embracing affection, o verdadeiro dilema é quando affection embraces me first. 🙂
Querida fofinha, (será pleonasmo?)
Compreendo a frustração por não poder escolher o momento em que o afecto a interpela. Mas perceba que esse sentimento de “quem é esta gentinha que me quer lambuzar a cara” lhe dá um piquinho de arrogância – totalmente desnecessário em gente boa.
Arrogante? Não… só não gosto que pessoas que não vivam em Lisboa (leia-se Restelo ou Lapa) me queiram tocar… só isso. 🙂
um beijo para vocês todos que me lêem!
Um aperto de mão afectuoso e mole para ti também!