Bohemian Rhapsody em hora de ponta

“Is this the real life?
Is this just fantasy?
Caught in a landslide,
No escape from reality..”

..canto eu na hora de ponta, a caminho de casa. Um karaoke exímio de “Bohemian Rhapsody”, com esplendor digno de tenor, numa indecisão desafinada entre a voz fina e barítono – uma espécie de Plácido Domingo esquizofrénico, ora com tim-tins ora sem tim-tins; mão direita a fazer de maestro, bamboleando na coordenação da orquestra imaginária que, na minha cabeça, são os condutores dos veículos da frente. Oscilo, com algum dramatismo, entre a primeira e segunda voz:

“Gallileo!” (agudo) “Gallileo” (grave)

“Gallileo!” (agudo) “Gallileo. (grave)

“Gallileo Figaro! “

e assim continuo de janela aberta no meu Clio azul-podre, gritando a plenos pulmões pelos Gallilleos da A5, sentido Cascais-Lisboa em pára-arranca

Oh mama mia, mama mia, mama mia let me go,  

lai lai lai lai lai lai lai lai (*impossível de entender*)

for me, for me, for meeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee”

e eis que abano a cabeleira na parte intensa de rock, para trás e para diante como ensina o Slash, mão direita em \m/ bem esticado para o céu. Bato a bateria no volante, desafiando o airbag a rebentar-me nas fuças. O Freddie Mercury des-snifaria a overdose e voltava dos falecidos só para um dueto comigo em hora de ponta, garanto-vos. Sentava-se ali no lugar do morto (oh oh)

….”So you think you can stop me and spit in my eye

So you think you can love me and leave me to die???”

ameaço eu para os carros da frente, interpreto a cena com intensidade em pleno trânsito, sempre em tom “tás a crescer para mim, chavalo?” lai lai lai “olha que apanhas”. Até que, irrevogavalmente, me vejo obrigada a pôr outra mudança e, pela primeira vez naqueles 4 minutos, olho para além do vidro do carro. Percebo que afinal tenho audiência. Digna de um concerto dos Queen. Todo um círculo de condutores com os olhos postos em mim, boquiabertos, algum choque no rosto. Já deviam estar a olhar há um tempo atrás, pois claro. Esqueci-me de que me podiam ver, e tristemente ninguém aplaudiu. Discretamente, componho o cabelo desgrenhado, baixo o volume e regresso à minha condução competente e séria, concentrada na faixa de rodagem e na distância de segurança com o veículo da frente.

Não sou a única pessoa a  achar que os vidros do carro são uma bolha Actimel, através da qual não dá para ver nem ouvir nada. Mesmo quando os vidros NÃO são fumados e as janelas NÃO estão fechadas. Já vi coisas extraordinárias – djembés no volante, jogos de ombros, karaokes memoráveis, jornadas de limpeza do enorme salão que são as duas narinas.

Admiro o condutor que perde os filtros no trânsito, dá-me alguma esperança na natureza humana. Devia ser proibido buzinar ou chamar nomes às mães dos condutores, a não ser que fosse na interpretação de um tema de hip-hop. Quiçá um “Move b*tch, get out the way” do Ludacris. Oportuno, não?

Boa viagem!

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3 Comentários Add yours

  1. Margarida diz:

    As limpezas do salão em público tiram-me do sério!! Como é que é possível?!!

    1. Mafalda diz:

      Eu no meu tempo era mais “Vai sacudir, vai abanar….. quando o meu amor passar!!!!!!………….” a caminho da Abrunheira (Nunca vi nenhuma, a bem dizer….)

      1. Sara Seruya diz:

        agora é que me parti mesmo a rir, com ar digno no meu digno gabinete da Embaixada da Áustria… Continua a brighten my day, filhota! – e tenho mesmo de arranjar um maço desta verborreias da fofinha e na fofinha para a Avó Ninita, que está so much looking forward mas não sei se “pescará” metada da incontinência…

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