É um tema mais antigo que a Sé de Braga mas agora é o tema da moda. Não vou dirigir-me à Jessica Athayde, porque ela já teve a sua dose por uns tempos – é deixá-la ressacar desta patetice pegada para voltar a ser a pessoa absolutamente equilibrada que é, nas banhas do corpo e da mente.
Dirijo-me antes àquelas moças por esse país fora que, ao contrário da Jessica, têm uma relação doentia com a comida; àquelas que comentaram a dita fotografia dela com derrotados “quem me dera”, “tomara eu”, “ao lado dela eu sou um cachalote”, àquelas que não se sabem livrar do seu alter-ego nutricionista e das vozes assombradas que saem do frigorífico, sendo a pior a que lhes pertence.
A estas pessoas que vivem a sumos de pepino numa incansável procura de uma versão melhorada de si próprias, na ânsia de achar que quando chegarem lá o mundo vai dar um click qualquer e abrir olhos para elas, já magras e bem torneadas – aí é que vão ser elas.
A estas pessoas que vivem neste ciclo vicioso de comer muito e sentir muita culpa ou não comer nada e sentir uma fome danada.
Juro que não cairei em clichés gustavó-santianos a respeito de gostarmos de nós próprios, mas a verdade é que chega uma altura em que é cansativo tornar cada gesto comedido, cada refeição policiada. Se o juízo final é chegar à praia e ter pele casca de laranja, fazer o quê? Não existe um óptimo de pareto, por isso mais vale tratar o tema como um dado adquirido, ou como uma tatuagem obsoleta que só mostramos de vez em quando.
Se virmos bem as banhas e as celulites são apenas e só irregularidades de pele. E o nosso corpo é feito delas – a pele sobe no nariz, desce na boca, vai por aí abaixo no queixo (o que são as maminhas senão inesperadas dunas íngremes?) – senão éramos um paralelepípedo forrado a pele humana, e Deus tinha criado o Tetris antes de criar o mundo e nos pôr lá dentro a competir por ninharias destas.
Acho que chegamos a uma idade em que o importante é tratar o corpo “benzinho”, devemos-lhe isso, afinal é dele que a nossa alma se serve para viver as cenas porreirinhas que vivemos.
É o clássico exemplo do copo meio vazio – passamos mais tempo a querer mudá-lo do que a gabarolar as suas virtudes. Somos capazes de atropelar o nosso reflexo no espelho para chegar ao calcanhar de Aquiles – que nunca é o próprio, os calcanhares não engordam, que eu saiba – e resumir cabeça, tronco e membros ao mar de ódio-próprio que conseguimos enfiar em 4 ou 5 buraquinhos de celulite. E se só olharmos para os 3% de imperfeição fica fácil desdenhar o cômputo geral da coisa. Ah, e tende a piorar com a idade.
A quanto prazer nos andamos a negar à conta desta patetice?
Já não há alegria em alarvar um pacote inteiro de pasta Rana a solo quando a embalagem diz “2 raciones”? Já não há orgulho em dizer um “SIM” quando nos perguntam “de certeza que quer uma sandes inteira?”.
Atenção: não defendo ser balofo, defendo ser razoável, e cada um sabe de si e do seu metabolismo. Mas veja-se, na ponta oposta da questão, a Nicki Minaj e a J-Lo, nas bocas do mundo e de homens babados em particular – não pelo seu abadalhocamento, que é inegável – mas pela apologia da formosura nalgal. E porque não?
Nesta mania das magrezas não tenho dúvidas de que a sociedade está doente.
Por isso, comam. Comer é curar, gente.
Muito certeiro como sempre, Miri, ms sobretudo muito sensato – a virtude que vai faltando nos tempos que correm. Hoje à noite, em vez de comer só metade do naco de uma maravilhosa tarte que fiz há dias, vou comê-lo todo …. e já estou a salivar à ideia. Saluvar é água, fonte de vida!
Intrigante para mim algum vocabulário usado. Como pessoa de Letras, fico curiosa:o que são clichés “gustavo-santianos”? O que é Tetris, que Deus podia ter criado antes do mundo??
Aguardo resposta, e proponho um novo slogan, de origem marianal, neste texto: Abaixo as refeições policiadas!!
Mimi