O que é o oversharing, perguntam vocês? Se existisse uma definição da comunidade científica seria esta: é a arte de manipular outrem no sentido de lhe contar detalhes íntimos e/ou situações do foro privado totalmente contra a sua vontade.
Isto aconteceu-me há tempos com a minha professora de Filosofia do secundário, que chegou à aula atrasada com a seguinte desculpa – e passo a citá-la porque isto dói lembrar – “demorei mais porque estava na casa-de-banho a fazer um número 2 e sabem aquela última bolinha que não entra nem sai, demora-se ali na saída e a gente já não tem forças blá blá blá (…)”, não me recordo do desfecho – isto é, se a bolinha saiu ou voltou recambiada para os entrefolhos anais – porque devo ter perdido os sentidos com esta hecatombe de informação a mais.
Palavra que enquanto este crime acontecia a linguagem corporal de uma turma inteira de 30 alunos fulminou a senhora com pensamentos silenciosos de “não quero saber”, “páre por favor”, “menos, muito menos” mas ela já era um TGV de inconfidências totalmente fora de controlo.
Fomos vítimas de oversharing. Fantoches indefesos apanhados numa teia de impropérios que passaríamos tão, mas tão melhor sem saber.
O praticante de oversharing não é consciente da sua condição. Todos temos um amigo, tio ou vizinho assim: o incontinente verbal que carece de filtros sociais e cuja falta de noção quanto à relevância/interesse/decoro do que diz é uma farsa disfarçada de “ai sei lá, eu falo das coisas com à-vontade”.
O oversharer é a personificação da famosa cena do Jerry Maguire – “You had me at hello” – basta um tímido Bom Dia nosso para de repente nos vermos enredados num diabólico novelo de detalhes íntimos – “Bom dia só se for para si, passei a noite cheia de cólicas e blá blá blá…(…)” – no qual somos meros espectadores de um monólogo em que apenas assentimos com “hum-hum”, “oh a sério” e “Pois.”
E como em qualquer epidemia social, esta enfermidade apresenta sinais de alarme e é preciso detectá-las na flor da idade.
Deixo-vos algumas situações de precaução máxima:
1. Idosos prestes a discorrer sobre a sua capacidade para evacuar: quantas vezes por semana e com ou sem recurso a medicamentos
2. Pai ou mãe prestes a enveredar numa conversa de teor picante (quando já tínhamos acreditado que eles eram castos e nós nascemos numa cesta de vime – nããããããããooooooooooooooo)
3. Status de Facebook que surgem no nosso Newsfeed e nos corroem para sempre (ex: “caiu o umbigo do meu filhote, já o guardei! *foto de um frasco com um resto humano*)
4. Sempre que alguém responder “Mais ou menos” quando perguntamos se está tudo bem. CLARO que há aqui uma interpelação silenciosa a pedir atenção e nós, incontrolavelmente corteses, não vamos poder ignorar, sob pena de sermos rudes e/ou insensíveis. Estamos a brincar com a vida, aqui.
5. Conversas sobre traumas. O trauma de Fulano com meias e o trauma de Cicrano com legumes acabados em ino. Acabam sempre em oversharing.
6. Mães prestes a mostrar o nosso álbum de infância. Já sabemos que vai ficar toda embevecida e cheia de “oh’s, como o tempo passa” e é uma questão de tempo até se chibar sobre aquela fase esquisita.
Atenção: uma vítima de oversharing, confinada à sua boa educação ou, quiçá, a um recinto fechado e sem janelas, nada pode fazer. E isto está a acontecer em salões de estética, elevadores, automóveis e salas de fotocópias por este Portugal fora, agora mesmo enquanto lêem isto.
Ajudem-me nesta causa.
Juntos, podemos acabar com este flagelo pior que o degelo.
Excelentemente visto, sobrinha escritora humorística, analista social, psicóloga comportamental e tanats coutras coisas acabadas em -al!!!
Por isso, aqui lhe deixo o meu beijo abraçal…
Mimi