Respiro, logo flatulo. Porque o ar tem de circular, nada mais. Em mim, na senhora do lado, no acólito da paróquia e no presidente Obama. Todos flatulamos – em público ou em privado – e é algo que nos une de forma orgânica.
Não seria esplêndido viver numa sociedade em que a relação com o peido fosse fácil e comunicante? Digo peido por via de tornar bem claro o tema de que aqui se fala, não vá o leitor ler uma onomatopeia onde ela não existe – não é o “pum” que faz a pistola, nem o “pum” que faz o trambolhão, é inequivocamente o pum que faz o pandeiro – em momentos de descontração máxima, nem sempre anunciados, e raras vezes passíveis de se disfarçar à posteriori.
Teorizar sobre as convenções à volta do, digamos, peido, é fazer História. Porque não há regras. A começar pela polémica em torno da própria nomenclatura: será correcto chamar pum (ou o diminutivo punzinho) sem desvirtuar a sua natureza grandiosa? E quando a situação não parece carecer de eufemismos, será de mau tom optar pela via directa do peido e do traque? Ou será melhor ainda omitir o sujeito, por via de melhor se propagar na forma de predicado: alguém se largou, alguém se peidou? É complicado.
A única etiqueta social que existe a este respeito é, de resto, extremamente proibitiva – basicamente não temos ordem de soltura, perante nada nem ninguém (a não ser que não tenhamos nada a perder).
É tempo de dizer basta. Não há ser humano no mundo que fabrique os seus gases nem necessidade de os expelir. É algo útil e biologicamente necessário, ao contrário do apêndice e do dente do siso. E todos sabemos que não há dignidade em viver num corpo condenado a contrair as nalgas ao mínimo sinal gasoso, adiando infinitamente o seu momento de libertação e empurrando-o de volta para o intestino e quiçá outros paradeiros até ao final da sua existência.
É que chegando ao cérebro é daí que vêm as ideias de merda, já dizia o outro. E para isso já nos chega a crise, os impostos, e os programas da tarde.
Queremos flatular livremente. A chave disto é o quando, o onde e o como. E deixar tudo por escrito, para a Humanidade prosperar.
Falemos primeiro do que já aprendemos sobre o assunto enquanto sociedade:
1. O peido do próprio não fede ao próprio, apenas aos outros.
2. O peido é uma experiência 360º, profundamente imersiva em todos os 5 sentidos do corpo humano. Na audição manifesta-se das mais variadas formas: esgueira-se inteiro, como um torpedo, ou aos trechos, como um helicóptero, ou agudo, como um balão em sofrimento. O som precede o cheiro, e provoca um arregaçar de sobrancelhas quase imediato, tanto na vítima como no culpado. De tão nauseabundo pode dar a ilusão de ser visível a olho nu, mas não. Depois afecta paulatinamente o olfacto, com risco de tonturas e desmaio para ambos, até dispersar com uma boa rabanada de vento, para alívio notório de todos. Se o espaço é fechado, veja-se um elevador, não é surpreendente que alguém refluxe o almoço de volta ao paladar. Frequentemente descrito como dar a mão à peidatória, o tacto intervém em situações-limite, quando o acontecimento vem com presente (um capítulo que, de resto, escolho não explorar).
3. O peido não é apanágio do sexo masculino. As raparigas também flatulam. Com a mesma intensidade dos homens ou pior, já que comem aquelas mariquices de fibra. Ao contrário de alguns mitos urbanos, não saem arco-íris nem confettis. A sociedade não está, no entanto, preparada para que elas se assumam. E por via desta discriminação, reprimem e sofrem mais de gases.
4. O peido tem uma natureza imprevisível e traiçoeira. Às vezes parece que vai sair em mute, mas em contacto com o exterior ribomba como um trovão, e a freguesia toda fica a saber. Outras vezes parece que não é nada de mais, e sai um silencioso de pantufas, daqueles quentes e mortíferos, que obriga a quarentena. Às vezes parece que vem avulso, finito em si próprio, mas é um mensageiro de algo maior. Nunca é de fiar.
Na próxima semana vou publicar a parte 2 deste artigo científico sobre peidologia, com o manual de etiqueta em exclusivo para os leitores do Bumba. Se tudo correr bem, foi a última vez nas suas vidas em que um traque foi motivo de embaraço.
De nada.