Barcelona, onde todos os turistas são pardos (ou parvos?)

Voltei a Barcelona, a cidade que me deu colinho em Erasmus. Foi estranho ter saído como estudante-hippie-cenas e voltar como trabalhadora-corporate-cenas. Não foi certamente por ter uns cobres a mais que deixei de fazer a vida low-cost a que me habituei por lá: andar de metro, ficar em casa de amigos, fazer rally de tapas baratas…

Mas a cidade está igual. O bairro gótico tão encantador como da última vez. O pão continua numa relação séria com o tomate, no famoso pan amb tomaca, que às vezes parece miolo com ranhoca de cor. Os catalães mais catalães que nunca, a falar um catalão daqueles catalaníssimo, para que não restem dúvidas quanto à catalanidade em vigor.

BARCELONA

A temperatura dentro do metro continua a testar a nossa imunidade ao choque frio-calor. Aqueles corredores entre linhas, que são kilómetros subterrâneos a 70 graus centígrados, parecem um deserto daqueles com rolos de cotão selvagem. E depois entramos no veículo em si e bem-vindo ao iglu. Perco a conta das vezes que vesti e despi cenas – ah, saudades.

Barcelona é uma cidade anti-espanhóis mas pró-estrangeiros. E os estrangeiros são pró-Barcelona. E esta misturada é, no entanto, uma troca de miminhos bem conseguida, para quem esperaria encontrar vários chinatowns mas afinal não. Porque as nacionalidades fundem-se, e é como se Barcelona ficasse com o fixe de cada uma delas: as bicicletas para todo o lado, as pizzas à fatia em cada esquina, os kebabs na esquina em frente dessa, os gelados às cores, a moda alternativa, o paredão ao longo da praia que não deixa desculpa para não malhar…. e depois, o merecido assalto ao mercado da Boqueria, para o merecido embutido fatiado, com a merecida Estrella a empurrar para baixo.

Tudo é merecimento em Barcelona.

jamon

Mas nem tudo é fluído. Falemos do sítio onde toda Barcelona estanca: as ramblas. Oh, como enerva. Aquela caminhada fatídica a ziguezaguear entre turistas pé-de-chanato, cuja única razão de viver é engonhar. E arrastar os cotos em velocidade de procissão até ao KFC mais próximo. Apre, ainda os odeio, e às Ramblas também.

Mas depois chega o pôr-do-sol, e com sorte é o dia de los trasteros, aquele em que cada bairro deixa as mobílias que não quer à porta de casa, e a paixão reacende. Tão forte quanto há 5 anos atrás, naquela nostalgia de ter percorrido a cidade de lés a lés para encontrar a minha cómoda cor-de-laranja, o meu espelho de corpo inteiro e o meu forninho de assar pão. Para um erasmus não há prazer igual ao de mobilar uma casa com coisas recuperadas da rua. Só lhes chama lixo quem não é criativo.

trastos

E depois anoitece, e o Paquistão que vive no bairro do Raval sai para a rua, pronto a vender a sua grade de cerveja barata, com o seu jargão de sempre: “cerveza-beer, beer-cerveza?”, como se mudar a ordem fosse a alma do negócio. E que há quem compre, há; normalmente aquele turista destruído de final de noite, que já está por tudo. Ninguém lhe pergunta se ele sabe que o armazém ilegal da sua cerveza-beer é a valeta de esgoto mais próxima. É a vida-life, life-vida.

E agora aterrei, finalmente, em Lisboa. Ainda não tinha as rodas no chão e só queria que o avião borregasse de volta – para Moçambique ou Barcelona? Sinceramente não sei.

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