Quem me conhece sabe que há poucas coisas que me irritam mais do que alguém me mandar um “vais de férias? outra vez?!”. Como se eu coagisse o calendário civil a dar-me mais dias úteis do que os 22 de toda a gente. Não, eu não tenho mais férias que os outros. E os oceanos que decido atravessar para as desfrutar são assunto meu, pasmem-se os Castigadores do Prazer Alheio, que tanto me censuram os exotismos.
No entanto, estas férias foram uma benção, e seria injusto dizer que não fui uma privilegiada.
Moçambique é um assombro, tão transparente na beleza das suas maravilhas naturais como o é na crueza das condições precárias de quem lá vive. O moçambicano, com um salário mínimo de menos de 100 euros, é o indivíduo mais afável, meigo e gentil que já conheci. A um olá nosso responde-nos sempre um sorriso deles, imediato e irreflectido. E aqueles dentes parecem caiados com lixívia, o que dá gosto ver, para variar da dentadura macilenta do nosso primeiro mundo, que acusa os anos de abundância, gomas e push-pops.
Lá come-se papaya, matapa, peixe fresco – do melhor que já comi – camarão e outros mariscos totalmente desconhecidos para o caucasiano comum. Conhecemos o Carlos, avô aos 40 anos, o Jaime, com 33 irmãos, a Isabella, suíça e grávida de 7 meses, sem medo de ter o bébé nos arbustos.
Ficámos a saber que o moçambicano não vai à praia, e que tem um medo inexplicável de cães. E que o sol nasce no Índico e os pescadores fazem rufar os tambores às 5h para anunciar o dia de labuta. Depois disso, cantam, cantam, cantam… o dia todo.
Ficámos a saber que é fisicamente impossível acompanhar um golfinho a nado, derivado de eles se deslocarem como super-guerreiros do espaço. Ficámos a saber que este animal, que parece a Lili Caneças em golfinho, chama-se dugong ,e que somos uns sortudos por ter visto um no arquipélago do Bazaruto:
Ficámos a saber que não podemos fotografar, caminhar ou respirar no passeio que dá para a residência do presidente da República. Quem nos disse foi o guarda com uma bazuka na mão, com ar de poucos amigos.
Ficámos também a saber que o maior talento do moçambicano é o Tetris, mas daqueles de carne e osso, em que cada peça é um ser humano a mais que tem de caber dentro do “chapa” – os mini-autocarros deles – mesmo quando já entraram 30 num chapa que só leva 12.
Nessa experiência, ficámos também a saber que o moçambicano não conhece o conceito de “espaço vital”, aquela distância de intimidade entre indivíduos desconhecidos, que se mantém quando não se tenciona beijar a boca alheia. Lá não há, muito menos dentro de um chapa lotado.
Ficámos também a saber que a expressão mais popular no país é a do “há-de vir”, utilizada com frequência para discorrer sobre intervalos de tempo completamente abstractos, que podem ir de 1h até 1 mês: o responsável pelo carimbo da alfândega ou o padre para o casamento de amanhã – definir para quê, há-de vir.
O moçambicano vive com pouco mas não precisa de muito. O português vai lá com pouco e volta com muito.
um testemunho de viagem, e de vida, que me deliciou!!
Lindo… Foste e vieste com a minha inveja… mai-lo consolo, agora, por tão encantador comentário à jornada…
Que bom que uma amiga me falou neste blog e que bom que hoje decidi vir aqui ler e rir até chegar a este delicioso relato da terra que me viu nascer e onde já fui também algumas vezes em férias (dessas que parecem sempre extrapolar os calendários dos comuns mortais trabalhadores) e de onde sempre voltei assim… de alma cheia! – parabéns pelo seu blog e pela forma divertida com que vai rindo e fazendo rir! – O país precisa! Eu agradeço…
Olá Maria. Simpática mensagem, muito obrigada.
Fico muito contente por saber que vou proporcionando umas gargalhadas desse lado e espero estar à altura do elogio. Moçambique é lindo e transformador…Voltei de lá com vontade de mudar tudo o que não gostava, nunca me tinha acontecido. É terra de boa gente, está visto 🙂
Obrigada e boa semana!