Ontem foi o espectáculo final da escola de dança onde eu ando, a Jazzy. Nem sem quantos participámos, acho que centenas, e foi uma verdadeira loucura entre trocas de roupas, camarins, um sapato sem par ali, um soutien solto acoli, o ambiente alegre a tresandar a laca, no respeito altivo que impõe uma casa como o Tivoli.
Fiquei a pensar que a beleza desta experiência é conseguir – com a intensidade típica do que se faz em cima do joelho, mas com um prazer enorme – alienar por completo a mente da rotina diária.
Enquanto a palma da mão sua e a barriga da perna fica fanfa dos nervos, ainda estamos a apertar o corpete da colega como se a nossa vida dependesse disso, e do palco já nos estão a chamar, “será que chego a tempo, será que não chego”. E palavra de honra que ali, à vista lateral da bambolina mesmo antes de entrar em palco, sob o escrutínio dos holofotes, a última coisa que nos passa pela cabeça é que temos um trabalho das 9h às 18h no dia seguinte, e que o governo está em crise, e que chatice esta birra do Portas.
Ali vive-se intensamente, e de forma divertida, o melhor de dois mundos. De um lado, a entre-ajuda solidária, o ensaiar em conjunto, o companheirismo no vestir, no maquilhar, “emprestas-me isto?”, os comentários infindáveis sobre a textura, cheiro e cor do chão de linólio, escorrega bem, não escorrega bem.
Do outro lado, com o burburinho da plateia, os nervos irracionais florescem e surge a lei da sobrevivência, o cada um por si e o “sai-me da frente porque tenho de entrar em palco”. Os saltos altos pisam os pés descalços mas não há tempo para pedir desculpa, e se o vestido desapertou paciência, the show must go on, uma maminha ao léu faz parte da aprendizagem.
A partir do momento em que entramos nos camarins é como se a etiqueta do dia-a-dia ficasse à porta. É-se disruptivo, desenvolto e sem-vergonha, pelo menos até a cortina fechar e irmos todos para casa, acertando o despertador para as 7h de segunda-feira, um reality-check bem doloroso para quem ainda não conseguiu limpar o rímel dos olhos, que é o meu caso neste momento em que vos escrevo.
É um prazer enorme sentir que ali está-se tudo nas tintas para a perfeição. Nenhuma coreografia foi perfeita, e ainda bem, ou não seríamos mortais. A magia não está na meta final, mas no processo, e no que nele há de imprevisível.
Foi por isso que ontem partilhámos batôns e palmilhas com pessoas que conhecemos de vista. Foi por isso que a roupa interior serviu perfeitamente como exterior. Foi por isso que éramos sardinhas em lata nos camarins e isso não nos incomodou. Foi por isso que sentíamos as pernas em papa e os músculos a ceder, mas continuámos a ensaiar até à hora H.
E foi por isso que estivemos em palco menos de 5 minutos no total mas valeu tanto, tanto a pena.
Até ao espectáculo do próximo ano é só um até jazzy!
Parabéns a todos os que participaram.
PS – O Optimus Alive roeu-se de inveja do nosso show, é o que se diz por aí.
Como sempre, deliciei-me a ler-te. Nesta prosa em particular destaco “É um prazer enorme sentir que ali está-se tudo nas tintas para a perfeição. Nenhuma coreografia foi perfeita, e ainda bem, ou não seríamos mortais. A magia não está na meta final, mas no processo, e no que nele há de imprevisível.”. Uma aprendizagem fundamental para TODOS os âmbitos da vida, que não apenas o do espectáculo final da Jazzy. Obrigado por me (nos) lembrares isto!
E se valeu a pena!!! Fomos todos Grandes 🙂