Não há arte mais engenhosa que a de passar a batata quente. O empregado dos Correios que me atendeu hoje era um verdadeiro mestre no manuseio da dita. Quando cheguei ao balcão, nem tinha acabado de proferir a primeira frase quando ouvi a famosa, a inderrubável, a mãe de todas as deixas no atendimento ao público, santa padroeira da procrastinação:
– “Ah mas isso é com eles.”
– “Com quem?”
– “Com eles lá dos serviços centrais.”
– “Mas eles disseram-me que era convosco.”
– “Mas não, é com eles. E agora só amanhã, que a esta hora já não atendem.”
Eriçaram-se-me os pêlos da nuca e, acto contínuo, vi voar a minha batata quente para destino incerto, provavelmente a Terra do Nunca. Do Nunca-Vai-Ser-Resolvido.
Fiquei a pensar que hoje em dia os responsáveis por nos resolver os problemas são tão difíceis de agarrar quanto sabão molhado. Escorregam-se-nos dengosamente pelos dedos, outra e outra vez. E no processo vivemos no Ali Bábá e os 1001 intermediários, em que este diz para falar com o outro, que me dirige àquele, que garante que é com o colega que não está.
Estes intermediários dominam a ciência de fingir que querem ajudar, quando no fundo só balbuciam uma prescrição ao calhas do estilo “Isso é com eles”, “A gente aqui não qualquer coisa” ou “Tem de ligar para qualquer lado“, e assim conseguem dar-nos a ligeiríssima ilusão de estarmos avançar. Mais uma cão a perseguir a cauda.
Dá-me a sensação que os funcionários que realmente nos resolvem os problemas são uma espécie em extinção, que jaz no fim da cadeia de montagem dos intermináveis procrastinadores que deixa para trás.
Oxalá houvesse mais desta estirpe, a que agarra o boi pelas ventas e tem coragem suficiente para assumir que a responsabilidade é sua e a competência de a resolver também. A que não despacha a batata a outrem.
Mas hoje não tive sorte.