Ontem foram os 88 anos da minha avó. 88 primaveras, 64 das quais passadas ao lado do meu querido avô Vitinho, que conta já com 99 Primaveras. É muita Primavera. Enquanto a minha avó me contava as deliciosas histórias do costume sobre os bailes de antigamente, a música em discos de vinil, os seus ídolos masculinos – Robert Redford, Sá Carneiro, Paul Newman (que a minha avó chegou mesmo a descrever como “perigosamente atraente”) – dei por mim num loop de pensamento curioso, que passo a partilhar.
Aquilo que foi actual para ela com a nossa idade, uns tenros 25 anos, é para nós parte do passado, pertence ao antigamente. É vintage. Os vestidos abaixo do joelho, o Charleston, novidades como o telefone, a publicidade, a fotografia. Nós consumimos estas coisas como “arte”, mas para ela são memórias reais do dia-a-dia.
Mas eu pergunto: então e em 2075, quando eu tiver 88 anos, o que é que vai ser vintage para os jovens? Assusta-me pensar que as modernices de agora vão ser relíquias de museu nessa altura. Imagino-me a chamar os meus netos para lhes mostrar aquele artigo obsoleto, poeirento e amarelado, que no meu tempo se chamava Ipad. Eles vão dizer “xiiii, tão vintage! Vou pô-lo em exposição na minha casa”.
Se penso à séria no assunto, começo já a sofrer por antecipação, com vergonha do que vou dar como exemplo aos netos que ainda não tenho. A nível musical, o que é que lhes mostro? O “Ai se eu te pego”? A Lady Gaga? É que há algo de perfeitamente aterrador no imaginar-me velhinha, corcunda e débil, de carrapito e graduação 70, a vibrar de nostalgia ao som da música do “meu tempo” – “Olha querido, este é o David Guetta, um disc jockey de referência do nosso tempo, cantava com uma moça de seios proeminentes que já faleceu, a Fergie, que Deus a tenha”. Vou sofrer do coração, para além da artrite reumatóide.
A minha avó ouvia Sinatra, eu ouço Boss AC. A minha avó dançava valsa, eu danço o Gangnam Style. A minha avó via o Casablanca, eu vejo o Matrix (aliás, o Matrix para mim é o máximo de futuro que a minha mente alcança). Denotam algum laivo de decadência nesta evolução?
Pensando assim, só consigo adivinhar que quando chegar aos 88 vai haver o museu do Computador Portátil, o museu da Bimby e o museu do Tamagochi. A discoteca deixará de ser apanágio dos maiores de idade e vai estar aberta 24/7. Imagino que as crianças vão brincar às relações sérias e aos divórcios a partir dos 7 anos de idade. O cannabis vai ser o novo aloé vera, estampado em rótulos de iogurtes e amaciadores. Senhoras, o penso higiénico vai ser estudado com a maior curiosidade pelas alunas de História! E podia dissertar sobre isto até amanhã.
Acho que da mesma forma que há ofícios extintos no nosso tempo – o amolador, o sapateiro ou a dama-de-companhia – vai haver outros sem cabimento em 2075. Eu diria que ser árbitro, assistente administrativo e se Deus quiser esteticista vai deixar de ser profissão, porque daqui a 88 anos a evolução já terá decidido dispensá-los. Pena que “vidente” não seja um ofício reconhecido em 2012, senão ainda fazia um pé-de-meia com este artigo.
Penso também que este blogue vai ser uma obra-prima em 2075. Só não valorizará mais no meu post mortem porque os meus netos vão achar que foi apenas um delírio da avó, sob o efeito de estupefacientes (já legalizados nessa altura). E em 2075 muitos de vocês, fiéis leitores, também já estarão a cavar tijolo, maneiras que fica difícil provar-lhes o contrário. Fica a intenção!
Cumprimentos,
Bumba na Velhinha
PS – convido-vos a serem impulsionadores da mudança: em 2075, o que é que querem realmente que os vossos netos conheçam como vintage?
Os bikinis também vão ser vintage…
as pastas de arquivo em cartão e papel; os romances em livro; vários tipos de copo – vinho branco, tinto, água, etc…, os headphones, as havaianas, a margarina vaqueiro, o óleo fula, as leggings e botas com tachas, …..
🙂
Sim, efectivamente vão ser apenas nesguinhas de tecido, e é se forem.