Tenho vindo a procrastinar a escrita deste artigo. Procrastinei quando decidi que o ia escrever, procrastinei ontem e anteontem, e encontro-me neste preciso momento a procrastinar mais um bocadinho, ao som de Marvin Gaye. Em vez de escrever no Bumba rendo-me ao feed do Facebook, num scroll down maluco de olhar sem ver, cérebro feito em papa Maizena.
Era bem mais fácil não escrever agora e deixar para mais daqui a um bocado. Adiar, vá lá, 10 minutos; pronto, 30; uma horita? Deixo para amanhã e não se fala mais nisso. Até tenho desculpa: é quarta-feira, está de chuva, estamos em crise… e tal e coiso e coiso e tal.
Mas, e se o sol brilhasse? E se fosse feriado? E se a crise fosse apenas no Sporting e não na economia inteira? Mudaria alguma coisa?
Não, senhores. E esta é a beleza do verbo “procrastinar”. Nele encontramos o conforto do deixa para amanhã o que deves fazer hoje. É uma palavra bem feia, parece crime de pervertido com gabardina. Mas são 4 sílabas de pura sabedoria ancestral, senão vejamos:
“All procrastinators put off things they have to do. The key idea is that procrastinating does not mean doing absolutely nothing. Procrastinators seldom do absolutely nothing; they do marginally useful things, such as gardening or sharpening pencils or making a diagram of how they will reorganize their files when they find the time. Why does the procrastinator do these things? Because accomplishing these tasks is a way of not doing something more important.”
Brilhante, este artigo de Jonh Perry. Com ele passamos a compreender de onde vêm os laivos de motivação repentina para organizar recibos de IRS, separar playlists por géneros musicais ou, Deus nos livre, limpar ralos de lava-loiça e chuveiro.
Aliás, melhor ainda do que concretizar as tarefas é materializá-las por escrito em TO DO lists intermináveis. Esta hierarquia de deveres dá-nos a sensação de cumprimento, de quem acredita que “já não falta tudo!”. Tudo demência, evidentemente, porque o que importa é aquilo que não estamos a fazer.
Nos tempos de liceu, já eu e um amigo meu dávamos dez a zero a este John Perry. Fundámos um conceito visionário, à frente do seu tempo: as AMDEE – Actividades Moderadamente Divertidas para Evitar Estudar. (na sua versão mais madura AMDET, com “Trabalhar” no final).
É uma espécie de escutismo dos procrastinadores. Uma boa acção em prol da Preguiça, a mãe de todos nós em vésperas de exames nacionais. Foi no âmbito destas actividades que aprendi a equilibrar um lápis na testa apenas com a força da mente. Ou a arrumar a roupa do armário por tonalidades, em degradé de cores quentes e frias. Algo que, convenhamos, nenhuma força terráquea e extra-terráquea me obrigaria a fazer, não prevalecesse a vontade de procrastinar o estudo.
“Even though the most-important tasks are on top, you have worthwhile tasks to perform lower on the list” – pensem nisto enquanto estiverem hipnotizados no feed do Facebook. Já que vão procrastinar, ao menos façam-no com estilo: desafiem a Física Quântica, joguem ao pião ou aprendam malabares com os pés. Por favor, não vejam a Casa dos Segredos. É um insulto enquanto AMDET.
Na realidade, a escrita deste artigo é, também ela, uma forma de procrastinar a resposta aos 38 e-mails que pululam na minha Caixa de Entrada. O módulo 2 depois das AMDET é, portanto, o das AMDESC – Actividades Moderadamente Divertidas para Evitar Sentir Culpa – mas não é qualquer um que domina a mestria. Acho que só aprendemos a dominar quando chegamos a velhinhos. Mas aí não podemos procrastinar muito, não vá dar-se o falecimento.
Abreijos
PS – deixo o desafio para partilharem as vossas AMDET’s mais criativas, eu não digo a ninguém.
E, finalmente, as AMDEE saem para a rua!
Adorei o artigo Buck. Por outro lado, não sei se alguma vez vou conseguir utilizar a palavra “procrastinar” sem me sentir ligeiramente sujo, agora que a vestiste de gabardina…
Em seguida vou ver quantas dobras é que consigo fazer numa mesma folha de papel. Será que se avizinha uma novo recorde?! E não me digas que nunca experimentaste.
Beijinho.
Ahahah só agora é que vi que tinhas comentado!
Pois bem, como co-autor das AMDEE espero que continues a fazer jus à tradição; e fazer de origami a tua próxima obsessão parece-me um excelente começo. Bravo! Eu vou começar a redigir o esboço do esboço do meu Out of Office para quando for de férias em Dezembro.
Amei este post Miris! So true!
Uma das minhas AMDT são, como bem disseste, fazer to-do lists intermináveis, com pontos, sub-pontos de sub-pontos e alguns highlights à mistura.
Outra AMDT que pratico, com grande regularidade, é atulhar o meu GoogleReader de blogs, websites e afins interessantíssimos que abordam assuntos variados que serão de grande utilidade no futuro.
Curiosamente esse futuro até hoje não chegou. Chegaram foi os mais de 3000 itens que eu tenho por ler no meu GoogleReader, à espera de um dia verem a sua utilidade realizada.
PS – O Bumba na Fofinha está no meu GoogleReader 🙂
Correcção AMDET!
Grave grave vai ser quando perceberes que até um presente na fralda do teu filho é uma AMDET absolutamente válida. Aí sim, sabes que bateste no fundo do poço LOL
Quanto às minhas preferidas? Hummm talvez limpar a caixa dos brinquedos (e os ditos) do meu filho. Numa vã tentativa de organizar o impossível.
Também gosto muito de ver programas imperdíveis…como os cold cases ou o Law & Order seasons 1 a 10?? LOL
Nos dias de hoje, qualquer coisa que dê para fazer sentada é uma AMDET fantástica lol