O português em Portugal é apenas mais um diluído na dezena de milhão. Ele é devoto lampião, buço à Zé Povinho (até os homens), mão esquerda Sagres, mão direita casca de tremoço, dentes da frente tremoço em si.
É engraçado como nos boicotamos cá dentro mas adoramos lá fora. Botamos um mindinho fora do país, e pode ser em Badajoz, a 1,5km da fronteira, e já somos uma raridade, um gambuzino, uma improbabilidade estatística. O português que encontra outro português a uma distância superior a 1,5km da fronteira, acotovela o português com quem está e sussura “olha ali um português”. Como se de um pelicano raro se tratasse. E o português visado, discretamente (ou não) faz o mesmo, tipo coreografia em espelho. E aí, já não há forma de evitar a famosa exclamação – e esta deixa eu adoro, quanto mais perto da fronteira melhor – “Ena, que coincidência!”.
Mesmo quando partimos do aeroporto da Portela, com o avião carregadinho de Joaquins e Manelas, basta passar a fronteira, aterrar em Madrid, andar 9 passos do avião para o transfer e de repente, qual ilusionismo de Luís de Matos, já começamos a achar extraordinário ouvir falar português e o fenómeno acontece, normalmente na seguinte sequência:
– ouvimos com atenção para ter a certeza de que é português de Portugal
– não falamos nem fazemos contacto visual, porque não queremos revelar a nossa nacionalidade de forma irreflectida; antes disso, há que analisar o indivíduo com minúcia, estar atento aos indicadores – as maneiras, a chanata, o bigode, verbalizações como “fosga-se” ou “amandastes-me um SMS”. No fundo, entender se aquela amostra que ali está é alguém que nos vai fazer sentir orgulho ou vexame, no que à partilha de nacionalidade diz respeito.
– findo o diagnóstico, das duas uma: 1. se o indivíduo é labrego, fingimos demência 2. se o indivíduo é aceitável, rejubilamos cá dentro, explodimos de alegria cúmplice. É aquele quentinho patriótico.
– no fim, não nos dirigimos ao pelicano raro. Sussurramos, isso sim, ao português que nos acompanha: “Portugueses aqui, que coincidência!”. E seguimos com a nossa vida, radiantes, a cabeça a rebentar com clichés – “O mundo é pequeno!”, “O português está em todo o lado!”,” É uma praga!”, “Isto é mesmo um T0!” – um queixume ternurento, porque no fundo é realmente uma grande, grande coincidência.
Isto não acontece com mais nacionalidade nenhuma, garanto-vos. Tudo bem, nós temos o estigma dos 11 milhões, mas os liechtensteinianos são 30 000 e eu tenho a certeza de que não fazem esta cobóiada quando se encontram.
Tudo isto surge porque estou recém-chegada de “Marraqueixo-me” (fica para uma próxima dissertação) e o nosso guia levou-nos ao deserto, chamava-se Hassan, Mohammed ou Rahim, com 33,333% de certeza cada um. E de caminho passámos por um grupo de jovens, e eu jurei ouvir um “Puto, bora lá b*ralho!”
E das minhas entranhas saiu um gutural “Ena, que coincidência!”.
Fosga-se, é mesmo assim!!!
lembro-te só o episódio da gelataria dos gelados maravilhosos em barcelona. esse não contas tu.
vivi 8 meses em França, a nostalgia da patria assombrou me algumas vezes, sentia falta de tudo: o clima, o ambiente, as praias, o bairro alto… até que um dia precisei de ir à embaixada de Portugal, uma fila enorme, fui ultrapassado, gritaria, palavrões, gel de cabelo e muitos bébés… e com isso tudo concluo que devo mesmo amar o meu País, a saudade vingou.
É verdade. É a eterna história de se valorizar quando não se tem. Devíamos era gostar mais do nosso país cá dentro, mesmo com os palavrões e o gel. (tu usas gel, que eu sei.)
=) só quando vou ao lux, com a minha manga cava amarela e calças rotas… já agora acrescento outra: uma vez em londres estava a ouvir uma melodia de duas senhoras da limpeza a insultarem violentamente clientes que nao cumprimentavam e a patroa enquanto esperava elevador. Fiz um sorriso longo e disse-lhes boa noite minhas senhoras!
Eu gosto muito de cuscar as conversas dos falantes de língua portuguesa nos autocarros em Inglaterra! Ao fim do dia de trabalho, é quase como uma canção de embalar.
Eu também era pro nisso em Barcelona! eheh
se vivesse em Barcelona… era preciso muito para voltar!
já foste a Andorra? é uma colónia tuga…