Vitinho e as suas 99 primaveras

O meu avô Vitinho é difícil de descrever a quem não o conhece. Tenho a sensação de que qualquer relato ou história fica aquém, porque o Vitinho é sempre muito mais do que isso.

Eu repito e trepito os mesmos clichês – o meu avô é um charmoso, um “pessegão”, o verdadeiro gentleman hollywodesco que eu gostava de ter conhecido com 28 anos e sem graus de parentesco. Um viajante, bom porte, bom garfo, bom copo, bom livro. A pessoa mais interessante e interessada do mundo.

Tento contar, e quase me atropelo com medo de não fazer jus, que o meu avô é one of a kind, nasceu na África do Sul, estudou no King’s College em Londres, correu mundo e fala várias línguas fluentemente. Vive para amar a minha avó. Conheceu-a na aldeia, fez-lhe a corte em tempo record e nem dois meses depois já a tinha arrematado para o altar. Há sessenta anos que dão as mãos, à mesa, e ele não ouve bem mas ouve sempre quando é ela. Ela estrabucha e faz birras e ele riposta: “Rica, porque é que é assim se eu vivo para amá-la?” e ela sossega.

Nunca o vi desarranjado, sempre garboso, ostentando as melhores gravatas com padrões animais (eu sou adepta da de pinguins) e o respeito é mútuo porque  não é capaz de dar conta da exterminação de uma barata na cozinha, nem formigas consegue exterminar, antes sopra, a ver se a formiguita encontra o seu caminho no meio da ventania. Ou chama a avó para fazer o dirty work.

Ele é a mascote dos netinhos, derrete-nos com mimo e deixa-nos fazer-lhe penteados góticos com a sua dezena de cabelos hirtos no ar, carregados de electricidade estática. Nunca se esqueceu de nos dizer um adeus para o rés de chão, de sorriso de orelha a orelha, debruçado no corrimão do seu segundo andar.

Acho que é como uma almofadinha de marmelada, daquelas que nos costumava oferecer às escondidas, e que guardava na gaveta da escrivaninha só porque sabia que nós conhecíamos o esconderijo.  Elas são um clássico do Vitinho, pelo poder galvanizador dos netos na luta pelos melhores sabores, e principalmente pelo acto de imensa ternura que sempre significou para nós. 
A almofadinha é como o colinho quente do Vitinho, é doce por dentro e por fora e ainda leva uma chuva de açúcar por cima; todos os sabores contam uma história diferente, tal como o próprio Vitinho, que soma já 99 primaveras e um batalhão de 6 filhos, 19 netos e outros tantos bisnetos que fazem por mimá-lo tanto quanto foram mimados por ele.  Ainda assim, nem todos somados e em dia de especial inspiração chegam para descrever aquela que é a pessoa que eu mais admiro no mundo.

Parabém, Vitinho.

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3 Comentários Add yours

  1. Teresita Valentita diz:

    What else?? Beautifully written, quem dera todos os netos pudesse assim descrever os seus avôs!!
    Foi um gosto imensamente gostoso ler estas suas palavras. Parabéns and keep writing…please

    1. Sofia diz:

      És b-r-i-l-h-a-n-t-e.
      Adoro o teu avô, de paixão, sem nunca sequer o ter visto.
      E adoro a tua avó, também!
      Por fim: vou voltar aqui todos os dias. Vais direitinha para os meus favoritos. Que BOM que foi – que é! – ler-te! Delicioso!
      Beijinho 🙂 *

  2. Olá!
    Pois eu conheço o seu avô. Ele e o meu avô foram amigos da vida inteira, desde os 10 anos e até o meu avô morrer com 91 anos (em 2005). Este ano lembrámo-nos do dia 16 de Agosto com especial atenção e até ligámos, a ver se conseguíamos dar os parabéns devidos ao “tio Victor”. Ninguém atendeu, ficámos com pena…
    Já agora aproveito para dizer que o meu avô se chamava Manuel Andrade e Sousa, e era o homem que eu mais admiro no mundo, o mais brilhante e querido de todos. Por isso, se calhar, eram tão amigos.
    Lembro-me do seu avô ir visitar-nos todos os anos, ao almoço de Natal (que era também o dia de anos do meu avô), e de acharmos mesmo querido que ele fosse, de propósito e naquele dia, visitar um grande amigo.
    Quando o meu avô morreu, fui eu que tive o prazer de estar longos minutos de mão dada com o seu avô, que se lamentava por ter perdido o último amigo que tinha vivo. Nunca mais me esqueci das palavras, e de lhe ter podido dar a mão numa consolação mútua. Sei que lhe custou tanto a ele como a mim.
    O seu avô fez parte da vida da minha família durante toda a minha vida. Tenho saudades dele!!!

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