“É a Margarida!”

O mundo seria um lugar melhor se todos fossem como a minha sobrinha Luisa. Não por ela ser a criança mais adorável da face terrestre (que é, perdoem-me os bebés da Dodot) mas porque, na sua pureza e ingenuidade, é uma mestre na arte de simplificar. Sorri para os transeuntes da rua, lança-se nos braços de qualquer estranho, abraça-se a cães vadios, com sarna e sem sarna. Na realidade, não faz grande selecção. Se formos ver bem, essa selecção vem com a idade adulta, quando nos inculcam a desconfiança dos estranhos, o sentido do que é socialmente correcto e a estigmatização das PCN’s e não PCN’s. (aka “Pessoas como nós” – expressão jocosa da minha mãe que me revolve o estômago e ela faz de propósito para me provocar.)

A Luísa não vê PCN’s, velhos ou novos, brancos ou pretos. Vê sim, com a doçura própria de uma criança movida a Isostar, duas pernas válidas para correr e jogar às escondidas, duas mãos válidas para brincar ao “aôna-aôna-dê”, um corpinho apto a proporcionar-lhe um belíssimo “Tão, Balalão”. E é tão assim que quando vê a minha empregada cabo-verdiana Margarida pela primeira vez corre indiscriminadamente para os braços dela e persegue-a a pela casa fora, como se o aspirador fosse um mamífero barulhento e divertido.

E eis que um dia, em pleno parque do Alvito, uma Luísa histérica e a suar do bigode, entre escorregas e malabares nos baloiços,  empanca de cansanço a caminho do Escorrega Maior em espiral, e com ela todo um trânsito de criançada atrás dela. “Luisa, deixa a menina passar”, diz o meu irmão. Luísa aponta para a menina cabo-verdiana e, com um eureka estampado no rosto, grita para o parque do Alvito e todo Monsanto – “É A MARGARIDA!!!!”

Engenhoso, o silogismo. “A Margarida de casa do avô é cor de chocolate. Eu brinco com ela. A menina atrás de mim também é cor de chocolate. Logo, é a Margarida. E eu quero brincar com ela.” Exacto.

Claro está que nos partimos a rir, o meu irmão e eu. Um misto de vergonha e ternura. Decidimos que devíamos começar a chamar “Margarida” a qualquer luso-africano que virmos na rua.

Se formos ver bem, o raciocínio é igual quando a Luísa se vira para a avó já de idade de um amiguinho dela e pergunta “Óia, queres um chupa-chupa?”; e eu não estava lá mas provavelmente não esperou pela resposta para enfiar o dito cujo, cheio de baba, na boca da imprecavida senhora. Não é querido, o acto altruista? Já alguma vez ajudámos um amigo a engolir um chupa-chupa pela força? Não, mas devíamos.

E devíamos também começar a avisar quando damos um pum, ou quando estamos prestes a fazer cócó, tal como a Luísa. Não dava jeito? Acho que só ficamos mais infelizes quando começamos a perder a inocência e a ganhar filtros e peneiras. Os estranhos passam a ser interditados, os pretos ficam pretos de cor e pretos de sociedade, os cães com sarna ficam eternamente com sarna porque ninguém se aproxima, nunca mais.

É uma pena. Eu quero ser mais como ela. Sem a parte de andar de fralda e de ouvir as pessoas falar comigo com “bubibubibubibubi”, como se eu sofresse de mongolismo.

 

4 Comentários Add yours

  1. Mariana Teixeira Fernandes diz:

    Eu não quero saber quando fores dar um pum..mas com tudo o resto concordo!!
    Acho que devíamos adicionar aqui um campo de LIKE..no teu blog! 🙂

    Parabéns Banadete!

  2. Mafalda diz:

    Eu também quero ser como a Luisinha!

  3. Mags diz:

    Sweet… 🙂

    1. José Paulo Cabral diz:

      Claro que li. Todos. Gostei, e mais não comento. Porque seria o que se esperava, ou, então, o contrário. Nunca a indiferença. Go on.

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