Hoje estava a ouvir sobre a conquista do fado como património imaterial da UNESCO e dei por mim a pensar na complexidade da mente humana. Somos capazes de aspirar às coisas mais inacreditáveis – como uma Amália, um Saramago, um Souto Moura – e depois, numa dimensão paralela, somos exímios a fintar a nossa própria inteligência, no limiar do insulto. Como quando gastamos dinheiro em coisas fúteis e afagamos a consciência com explicações absurdas do estilo “é para compensar o facto de nunca jantar fora” ou “há quem gaste muito mais”, numa espécie de cobrança mental que nunca deixa de ser meramente abstracta. Mas deixa-nos dormir à noite, porque apesar de ter gasto este mundo e o outro, muito para além das minhas possibilidades… comprei o com 99% de desconto na Groupon. UFAAAA!
É incrível como conseguimos fingir demência. Gastar e acartar com o peso da decisão, não senhor, já basta acartar com o peso do dito cujo sofá tão fofo que comprei no IKEA porque “Ai-Jesus-nunca-se-viu-um-sofá-tão-barato-e-em-pele!”.
As Groupons e Lifecoolers da vida o que fazem é, muito simplesmente, criar necessidades do zero. Que não têm porquê de existir, mas que com o magnetismo do desconto se tornam imprescindívies para existir e respirar. E a um consumidor já muito baralhadinho com 79 tipos de champô e mais 40 de condicionador, botam-lhe um desconto de dois dígitos para cima, e ele aí já nem sabe como é que se chama, só sabe é que seria absurdo não comprar.
Estes cupões fazem-no com tamanho talento que vemos amigos e amigas em hipnose – eu incluída, atenção! -sem saber até hoje como é que sobreviveram sem 8 sessões de cavitação ou como é que cozinharam sem um robô de cozinha por 99,99€ (outro engenho, o do feitiço dos números acabados em 9, que de tão complexo nos coloca a ao nível do babuíno).
Que outra razão explica o facto de alegadamente estarmos em crise mas, pelo contrário, fazermos placagens aos nossos colegas consumidores para sermos os primeiros a chegar às “3h sem IVA” do Media Markt? (por favor ver vídeo em anexo, custa a crer que só exista uma Rosa Mota em Portugal). Mas o que é isto?! Quem são estas pessoas famintas de electrodomésticos?
Eu não estava lá, mas disseram-me que a cada hora sem IVA correspondia – mais ou menos ela por ela – uma hora com fila para pagar. Ou seja, aí umas três horitas de fila e eu nem sou boa com regras de três simples. E não era uma fila normal. Era uma fila com uma média de 3 televisões por cabeça, um portátil e uma máquina de barbear. E enquanto os familiares esperavam pela sua vez, o elemento mais veloz da família varria os corredores para achados de última hora, tipo Jogos sem Fronteiras.
Alguém me explica este fenómeno?
Alguém me explica como é que estamos em crise se na realidade existe dinheiro para pagar este arraial de despesa eléctrica?
Alguém me explica o que seria da raça humana se o Media Markt escolhesse fazer as 3H sem IVA hoje, dia em que a população recebe o seu meio subsídio de Natal?
Vou reflectir sobre o assunto, se precisarem de mim estou em http://www.groupon.pt.
Aplaudo de pé, Miris….
Que vergonha alheia em relação ao que vi no filme!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
“Oh Heitor abre as grades”!
Mais parece que vão largar os leões! Eles têm a noção do perigoso que é aquele pessoal todo a entrar de uma vez?
Eu sei que o vídeo data de 2010…imagina este ano com o aumento de IVA!